[A Saga do cão Guia] Vídeo da minha formatura

•11 de outubro de 2011 • 1 Comentário

Olá pessoal, procurando no Youtube hoje, encontrei um vídeo da minha formatura na Guiding Eyes. Não é ela toda, mas sim algumas partes. Tem parte do meu discurso, apresentação de um colega, entre outros.

Acho que aconteceram duas coisas que estou rindo muito agora que as descobri:
1. Eu realmente não sabia que deveríamos sentar logo após falarem nossos nomes, então estava lá eu, em pé esperando enquanto os outros estavam sentados, fail total!!! hahahahaha
2. Os colegas aplaudiam os próprios colegas que iam sendo chamados, e na hora isso nem me passou pela cabeça… estava lá, paradão.

Tirando esses contra tempos, é uma emoção muito grande reassistir esse dia, e lembrar de tudo mais uma vez.

Link para o vídeo

E Finalmente Descobri O Que Eu Tenho

•6 de setembro de 2011 • 18 Comentários

Como vocês já sabem, sou cego. Nasci sem enxergar com o olho esquerdo, e o direito perdi a pouca visão que tinha com 4 anos de idade. Desde que nasci, isso já era esperado que acontecesse; os médicos informaram meus pais do que provavelmente aconteceria nos próximos anos, ao analisar a condição dos meus olhos. E já que isso era inevitável, por quê? Era a pergunta a se fazer.

A pergunta foi feita, exames também, e nada foi descoberto. As doenças mais comuns foram testadas, chegamos até mesmo viajar para São Paulo, para realizar exames mais específicos que não existiam em Curitiba, mas mesmo assim, nada foi encontrado.

O tempo passou, eu cresci. Eu sempre fui curioso para saber o porquê eu não enxergava. Não que fosse fazer muita diferença saber, pelo menos era o que eu pensava quando essa curiosidade surgiu, mas me parecia algo importante, talvez o início do uso do pensamento científico por parte de uma criança.

Quando fiz 17 anos, estava no final do ensino médio, e tinha que decidir o que faria pelo resto da minha vida. Uma das minhas aspirações, era talvez um dia, trabalhar com o estudo de visão artificial. Mas como eu iria trabalhar com isso se nem mesmo eu sabia o que eu tinha? A necessidade de saber realmente o que fora me fez pedir para minha mãe me ler as conclusões médicas da época. Vários papéis, trocas de cartas de um médico para o outro, afinal, todos os exames davam negativos.

Outro motivo que me fez ter vontade de saber qual a causa do meu problema era, se eu tivesse um filho um dia, ele teria o mesmo problema que eu? Porque se tivesse, seria algo a se considerar. Não que eu planeje ter um filho em breve, longe disso. Mas ainda assim era outro fator para se somar a minha curiosidade. De fato eu não sabia qual seria a decisão que eu tomaria. Dar origem a uma vida impondo uma condição que você tem certeza que traria dificuldades a essa pessoa não me parece correto.

O tempo passou. Nas minhas buscas malucas pela internet, conversas com outros amigos cegos e suas causas de cegueira, acabei topando com um tipo de doença genética. Eu já havia lido sobre muitas outras doenças, suas causas, mas nenhuma delas batia com a minha história… Mas essa em específico, poderia ser.

Em um dos médicos que eu havia ido quando pequeno, a possibilidade de ser algo genético havia sido descartada também, por algum motivo que não me recordo. Assistindo House demais (quem sabe), se uma explicação não foi encontrada, algum exame está errado ou tem alguém mentindo nessa história. Falei para meus pais para retornarmos ao oftalmologista.

Chegando lá, comentei sobre essa tal doença que eu achei que tinha. Baseado em quê? Coisas que eu li na Internet, na verdade… Muita coisa, e claro, um chute de trivela do Oliver Tsubasa. Eu não tinha nada a perder, em 20 anos os exames poderiam estar mais precisos, eu buscava qualquer coisa para fazer toda a bateria de exames e achar uma falha, porque não é possível que eu morresse sem saber o que eu tinha.

A doença que eu achava que tinha estava como uma possível causa em uma carta de um médico. Fui descobrir isso só hoje, quando escrevia esse texto. Eu realmente a achei na internet, e com o pensamento que pudesse ser ela, retornei ao oftalmologista para obter mais informações. Ele recomendou que eu fizesse um teste genético, afinal foi ele mesmo quem havia posto naquela carta muito tempo atrás como a possível causa, e lá fui eu.

O teste demorou 6 meses para ficar pronto. Não entendo muito como funcionam estes testes, mas estávamos testando para essa doença em específico, e nada mais. Isso significa que a única coisa que o teste nos diria era se eu tinha a tal doença, ou não. Se não fosse, poderíamos continuar testando para uma série de outras doenças genéticas, ou desistir de vez.

E o primeiro médico que sugeriu esta doença, e meu chute bem direcionado, estavam certos. Eu tenho, síndrome de norriê.

http://en.wikipedia.org/wiki/Norrie_disease – aqui tem um link que descreve melhor a doença. Basicamente é uma doença genética, normalmente leva a cegueira, em alguns casos mais raros a surdez e até mesmo retardamento mental, o que felizmente não foi o meu caso. É uma doença rara, bem rara pelo que eu tenho lido.

Sinto-me mais aliviado em saber o que é que eu tenho. Eu não tenho como transmitir isso geneticamente para alguém e afetar essa pessoa, o que me deixa mais tranqüilo. E se um dia eu vier a estudar visão artificial , como eu quero, eu sei onde o meu problema se encaixa.

Depois de 20 anos sem saber a causa do meu problema, eu finalmente descobri. Minha participação nisso? Curiosidade, um chute bem dado e vontade. O médico que realmente entendia do assunto que descobriu a verdadeira causa, a 20 anos, só não sei porque não testaram geneticamente essa possibilidade quando eu era pequeno… Talvez não existisse forma de se fazer isso, e com o avanço da medicina agora é. Mas o engraçado é estar em uma das cartas o fator genético descartado por um dos médicos, ao invés de estar em aberto, já que não era possível realizar esse tipo de exame…. ou talvez foi outra coisa, o que importa é que agora eu sei o que é.

[A Saga do Cão Guia] – Epílogo

•2 de maio de 2011 • 15 Comentários

(Demorei para escrever, mas considerem que esse texto foi publicado no dia 2 de abril, e as datas se referem as duas semanas anteriores)

A segunda-feira da semana passada começou de uma maneira bem diferente. O que não era esperado apareceu, e tivemos um pouco de neve. Não era aquela coisa que muita gente quer ver, vários flocos caindo, montes de neve no chão, e guerras de bolas de neve por todos os lados. Eram flocos bem pequenos, que batiam no seu rosto, viravam água, e te congelavam inteiro.

Neve é uma coisa que só turista gosta, e só nos primeiros dias. Primeiro é a coisa mais linda do mundo, depois passa a ser normal, e por último só incomoda mesmo. Se você não conhece neve ainda, espere só pra ver. E como eu não estou aqui para turismo, e precisava ficar caminhando várias quadras, a neve não era uma coisa bacana, a minha sorte que durou bem pouco.

Na quarta-feira da semana passada fizemos algumas rotas sozinhos. Já tínhamos noção de como eram as ruas ao redor da escola, com sinaleiros, os cruzamentos, então largaram a gente perto e a gente tinha que voltar. Não foi tão difícil assim, porque a distância era bem pequena. Complicado foi a rota que tivemos que fazer nessa terça, onde soltaram a gente em uma distância considerável, e deveríamos voltar pedindo informações e com nosso próprio conhecimento da região. A princípio eu e meu parceiro de caminhada pensamos que nos daríamos bem usando o gps do telefone dele, afinal, a idéia era simular uma situação real, e em uma situação real ou você pergunta para pessoas ou usa o seu smartphone.

Mas o que tinha pra dar errado? Tudo, é claro. A gente se perdeu e andamos em círculos, sabem por quê? Graças o estúpido telefone Android dele que deu as direções erradas, hahahahaha. Eu falei: ‘quando voltarmos, joga essa merda fora e compra um iPhone.’ – E logicamente, ele achou uma ótima idéia. Cara esperto.

Depois de andarmos em círculos, atravessar uns caminhos meio undergrounds, pedimos umas informações e chegamos no destino com facilidade. Já cheguei falando pros outros estudantes: ‘Tinha que ser o cara da California!!’ – Enquanto ele jogava a culpa em mim por ser brasileiro. Esse cara é muito engraçado, a gente se diverte um monte junto. Segundo ele não nos perdemos, porque sabíamos onde queríamos ir; O que fazíamos era descobrir novos lugares. Vou concordar com ele 😛

Essa caminhada foi a mais instrutiva de todas que fizemos, na minha opinião. Deu para ter uma idéia como é andar com o cão guia, sem qualquer comentário do seu instrutor, embora eles estivessem a uma quadra observando tudo. Às vezes seu cachorro para abruptamente, e você tem que saber se ele está cheirando um arbusto, está distraído com algo, ou está tentando mostrar-lhe algo, um galho de árvore para ser desviado, o meio-fio, um buraco que não tem como passar, etc. Dependendo do que ele estiver fazendo, sua reação será diferente, para lidar com aquilo. Não é fácil, e toma tempo para aprender isso.

Quinta-feira da semana passada foi um dos melhores dias, com certeza. Fomos a Manhattan, e aprendemos como entrar em um trem, pegar metrô, andar sobre as plataformas com o cachorro, atravessar catracas, e claro, andamos em uma cidade cheia de gente. É interessante andar em um ambiente assim, que me lembra bastante o centro de Curitiba, e ver como o seu cachorro reage. Eu achei a caminhada muito agradável, e consegui tirar umas fotos ao lado do Central park, entre outros pontos turísticos. Tento upar elas depois para vocês.

Como eu fiquei procrastinando quase duas semanas para escrever esse post, estou lembrando de muitas coisas novas que eu deveria citar, mas isso aqui ficaria gigante e vou focar nas mais interessantes. E com certeza, o melhor dia foi o sábado.

No sábado foi a nossa graduação. Os que estavam aqui pelo segundo cachorro iriam embora nesse dia, e os que estavam pelo primeiro ficariam mais uma semana.

A graduação é importante para mostrar para os voluntários, doadores e colaboradores em geral da escola o trabalho que está sendo feito, e o que a ajuda deles conseguiu fazer. E claro, para recebermos nosso diploma depois de 3 semanas de trabalho duro.

Quando perguntaram da nossa turma quem gostaria de falar algumas palavras nesse dia, eu pensei uma, duas, três vezes, mas enfrentei meu medo de fazer um discurso em inglês para 100 pessoas. Me senti na obrigação em agradecer tantas pessoas que me ajudaram nesse processo, e a única maneira que eu imaginei que fosse eficaz seria com palavras. Então escrevi um texto em português, um idioma que eu domino e me sinto confortável em escrever um discurso, e pedi para meus amigos <a href="http://twitter.com/TeacherTchelo&quot>Tchelo e <a href="http://twitter.com/CarineIdril>Carine traduzirem para mim. Meu muito obrigado aos dois!!!

Aí vai, a versão em inglês e logo em seguida a tradução:

Since I watched the movie The Butterfly Effect, I sometimes think about some actions that I take and their consequences. In this movie the theory which
supports the fact of the simple flapping of a butterfly’s wings on one side of the planet can cause a hurricane on the other. Of course, this is a metaphor.
It means that small actions can have big effects, which can be a long term effect or very far from us. In my case, I never got to see this in practice.
Some small action that I have taken, became a big event, even because it’s not something easy to trace.

When I arrived here at Guiding Eyes, I started watching everything that was around me. I started to understand all the dedication that was necessary for
all this work. And today, I tell you, I could see the result of the set of actions of several people. I’m certainly safe to say that the flapping of wings
in New York created a hurricane that will go throughout the United States and even Brazil. These hurricanes are every person with their guide dog, who
will surely have a new life. A better life, a more independent life, a life with new possibilities. And it was possible only because of you, Puppy Raisers,
volunteers, donors, Guiding Eyes staff and instructors. My colleagues and I thank you all today for all you dedication and effort. We are proud to be part
of it. Many of you participated in this journey helping in different ways, sometimes without even knowing who you would be helping. This is something that
I want to carry with me wherever I go, to help people whenever I can, and maybe one day drastically change someone’s life as you have changed mine. Again,
my thanks to all.

Desde que assisti o filme efeito borboleta, as vezes paro para pensar as causas de certas ações que eu tomo e suas consequências. Neste filme, é abordada
a teoria que o simples bater de asas de uma borboleta em um lado do planeta, pode causar um furacão no outro lado. Claro, isso é uma metáfora. O que isso
quer dizer é que pequenas ações podem ter grandes efeitos, a longo prazo ou muito distante de nós. No meu caso, eu nunca consegui ver isso na prática;
Uma pequena ação que eu tenha feito se transformar em um grande acontecimento, até porque isso não é fácil de rastrear. Quando cheguei aqui, na Guiding
Eyes, eu comecei a observar tudo que estava ao meu redor. Comecei a perceber toda a dedicação que era necessária para que tudo isso funcionasse. E hoje,
eu digo para vocês, que eu consegui ver o que o conjunto de ações de várias pessoas resultou. Estou certamente seguro em dizer que o bater de asas em
New York criou um furacão que irá para todo os Estados Unidos e até mesmo para o Brasil. Esses furacões são cada pessoa com o seu cão guia, que com certeza
terão uma nova vida. Uma vida melhor, uma vida mais independente, uma vida com novas possibilidades. E isso só foi possível graças a vocês, Pupy Raisers,
voluntários, doadores, Guiding Eyes staff e instrutores. Eu e meus colegas agradecemos a todos hoje, por toda sua dedicação e e esforço. Estamos orgulhosos
em fazer parte de tudo isso. Muitos de vocês participaram dessa jornada, ajudando de muitas maneiras diferentes, as vezes sem nem mesmo saber a quem estariam
ajudando. Isto é algo que eu quero carregar comigo onde quer que eu vá, ajudar as pessoas sempre que eu puder, e talvez um dia mudar drasticamente a
vida de alguém, como vocês mudaram a minha. Mais uma vez, meu muito obrigado a todos.

E acho que me saí bem, consegui fazer algumas pessoas chorarem 😛

O momento mais emocionante desse dia foi quando eu conheci os puppy raisers do meu cachorro. Os puppy raisers são voluntários que tomam conta dos cães até que eles atinjam por volta de um ano e dois meses de idade, ensinando o cachorro boas maneiras, socializando o cachorro (levá-lo para lugares diferentes, conhecer outros cães, pessoas, enfim, acostumá-lo com o mundo a fora). Sem essas pessoas, ter um cão guia não seria possível. O trabalho deles é muito importante, e eu fiquei muito feliz de conhecer as pessoas que cuidaram do Timmy. Gostei de agradecê-los pessoalmente pelo que fizeram, e eles me desejaram felicidades na minha jornada de volta para o Brasil.

Eu gostaria de falar mais sobre esse assunto, mas esse post está enorme. Eu acho que o meu texto de agradecimento que postei acima dá para ter uma idéia da importância dessas pessoas.

Nessa sexta-feira retornei para o Brasil em uma viagem de mais de 14 horas. O Timmy passou o tempo todo deitado entre os meus pés, muito tranquilo. Eu pensei que ele ficaria agitado, mas ele se comportou muito bem.

Agora já estou em Curitiba, andando todo dia com ele, praticando cada vez mais, até nos tornarmos uma dupla perfeita. Os 6 primeiros meses é onde os principais ajustes serão feitos. Temos muitas coisas para trabalhar juntos até que ele se acostume totalmente com tudo, nova rotina, e claro, melhore mais e mais a maneira que ele me guia. Mas tenho gostado muito. é algo difícil de por em palavras, acho que só vendo a minha felicidade ao andar com ele por aí para entender.

Chegamos ao fim da saga do cão guia, uma saga que começou a muito tempo atrás, e que tem um fim quando pisei ao Brasil. Essa saga continua com certeza, com outro nome, onde novas histórias virão….

Meus agradecimentos a Guiding Eyes for the Blind, aos Puppy Raisers que cuidaram do Timmy tão bem, aos voluntários, instrutores, doadores que ajudaram a escola de tantas maneiras diferentes. Agradeço também aos meus pais, que sem eles eu nunca teria chegado onde eu cheguei; Foram as pessoas que me proveram todo o necessário desde que eu era pequeno, tanto intelectualmente e como parte da família, sempre achando uma maneira de me ajudar a superar minha deficiência. E vocês que acompanharam esse blog, deixando comentários ou apenas lendo, me dando um motivo para escrever.

Obrigado a todos!!!

[A Saga do Cão Guia] – Capítulo 6

•20 de março de 2011 • 9 Comentários

Fiquei um tempão sem escrever. Por parte foi porque não havia nada novo a acrescentar, muita coisa foi repetição do que já aprendemos, e por outro lado foi minha vontade de aproveitar o meu tempo livre… dormindo.

Essa história de ficar acordando todo dia às 6 horas da manhã ta me destruindo aos poucos, hahaha. Aproveito os finais de semana para dormir umas 12 horas, assim consigo aguentar a semana novamente. Definitivamente, eu não sou uma pessoa com hábitos diúrnos.

Vamos ao que tivemos de novo essa semana. Comecei a colocar botas no Timmy, agora ele é um verdadeiro kick-ass. Os cães usam as botas quando está muito frio ou muito calor, para que não machuquem as patas. O Timmy estava com uma das patas um pouco ralada, e toda vez que ele pisava em areia, uma pedrinha, dava pra sentir ele dar uma mancada. No momento que eu coloquei as botas nele, ele achou que estava usando as sandalhas de Hermes, o baixinho queria andar muito rápido, quase voar!

Os outros cães foram introduzidos as botas dois dias depois, e tiveram que fazer algumas caminhadas pequenas para que se acostumassem com elas. Os instrutores falaram que normalmente demora para que se acostumem a usá-las, e a maioria deles não gosta nem um pouco. Já o Timmy parece adorá-las.

Começamos a fazer algumas rotas diferentes das que fazíamos em White Plains, mais longas, com mais trânsito nos cruzamentos, com mais gente nas calçadas. Nesse momento notamos que o Timmy estava tendo um pouco de dificuldade em me puxar para a direita, quando necessário. Trocamos a minha harness (arreio (essa é a tradução do dicionário, mas me parece muito estranho. É onde seguramos para sermos guiados pelo cão)), para um modelo que tem uma curva na metade, o que me faz ficar um pouco mais para a direita do cachorro, questão de poucos centímetros. Esse espaço já é suficiente para que ele se sinta mais livre para me puxar para a direita, e depois de um tempo de adaptação com a harness, tudo ficou bem.

Cada vez mais os exercícios de obediência estão ficando mais complicados. Todos os dias introduzimos uma nova distração, para testar os cães e ensiná-los a focarem-se no trabalho que eles tem que fazer.

Na quinta-feira, fizemos uma rota em White Plains até um shopping. Andar no shopping com o Timmy foi mais tranquilo que imaginei, apesar do zig-zag constante que a gente fazia para desviar das pessoas e bancos.

Trabalhamos como entrar no elevador com o cão, e fizemos uma parada que eu estava esperando fazia tempo: Apple store!

Consegui comprar um notebook novo, bem o que eu queria. Na loja o Timmy só queria ficar deitado dormindo, nem dando atenção pras coisas ao seu redor, o que foi muito interessante de observar, pois esse é o jeito que ele precisa se comportar.

Em um dos dias tivemos alguns problemas quando eu estava praticando o que chamamos de targeting, ou seja, criar um alvo para o cachorro, para que semrpe que dermos o comando, ele nos leve até lá. Tentei dois dias seguidos no final do dia, a noite, e ele não respondeu bem aos procedimentos. Depois troquei o exercício para a parte da manhã, logo após ele acordar, e as coisas começaram a melhorar, ele está mais descansado essa hora e mais alerta. Vamos continuar trabalhando nisso.

Essa semana foi bem pesada. Tivemos vários testes com o cachorro, o que se torna algo um pouco estressante, às vezes. Você quer fazer o melhor, mas nem sempre é possível porque o cão se distrai, você fez alguma coisa errada, acidentes de percurso. Tem dia que chega no fim e você analisa quais foram os seus progressos e percebe que você só achou novas falhas, o que desanima um pouco antes de dormir. Mas chegar no final de semana e refletir bem sobre como tudo se passou, perceber que é melhor achar todas as suas falhas e do seu cão durante o treino, onde existem pessoas para te orientar e você vê um progresso naquele dia ruim que você foi dormir chateado.

Na sexta-feira a tarde, fizemos um check up nos cães no veterinário que tem aqui na escola. Com todas as turmas, eles fazem um desafio que você chuta o peso do seu cão, e o que chegar mais perto, ganha um prêmio. Como eu já tinha passado apuros com as medidas malucas que eles usam por aqui, eu já sabia que eles mediam peso em libras. E como eu fiz minha tarefa de casa muito bem na semana passada, eu sabia quanto ela valia, então estava pronto para participar. Sem um motivo específico em mente, na semana passada ainda eu tentei levantar o meu cachorro do chão para ter uma idéia de quanto ele pesava. Na hora que tive que dar o meu palpite, eu disse 65 libras, fazendo uma estimativa do que eu tinha sentido na vez que levantei ele. E adivinhem só? Eu fui o vencedor!!! o Timmy pesa 65.1 libras.

Essa semana também conseguimos algumas informações que estavam faltando, tal como o número de identificação do cachorro, e a data de aniversário. O Timmy tem quase 2 anos, fará aniversário dia 13 de abril.

Na sexta-feira à noite, fizemos uma caminhada noturna. Essa caminhada era mais destinada às pessoas com baixa visão, para ver se elas tinham o mesmo desempenho que estavam tendo durante o dia. Às vezes, quem ainda tem um pouco de visão ajuda o cachorro a guiar usando a visão, o que não deve ser feito, e quando chega a noite o cachorro pode ter problemas por sentir falta dessas ajudas, mas elas fazem isso sem perceber, então era mais uma análise geral da situação. Como eu sou cego total, para mim não tinha muita diferença, mas a experiência continuava sendo válida por ser um caminho totalmente novo, em uma cidade bem pequena aqui perto. As calçadas pareceram muito com as que tenho perto de casa, algumas um pouco quebradas e com árvores no meio. E tinha até um gambá por perto (que eu não tenho perto de casa), que deu para sentir o cheiro de longe. Falei que estavam nos levando para a floresta ao invés de uma cidade e fiquei tagarelando músicas sobre florestas no rítimo de Yellow Submarine, algo como:
‘We are going, to the forest,
With my friends, and my dog.’ Entre outras variações e estrofes.
De tanto ouvir, o meu colega de caminhadas começou tagarelar, às vezes, a mesma música e deixar a instrutora maluca, de tão sem graça que era 😛

Opa, encontrei algo que não contei para vocês ainda. Desde essa semana, começamos a fazer caminhadas em duplas. Dois usuários de cão guia caminham juntos, afim de acostumá-los a andar junto de outro cão, caso você tenha que andar com um amigo, etc. Isso também serve como um exercício de distração para o cachorro, onde ele precisa focar-se apenas no seu trabalho, e esquecer o outro cachorro, bem interessante.

Cada pessoa lidera uma quadra, o que significa ir na frente do outro, nunca lado a lado, parando nos meio-fios esperando pelo parceiro. O que é engraçado, o cachorro que está na frente normalmente começa a andar mais de vagar para esperar o amigo, e o que está atrás começa a querer andar mais rápido para se encontrarem, e aí que entra o nosso controle sobre a situação, temos que manter o mesmo passo que estamos acostumados, e focar a atenção deles no que queremos, e não no que eles querem.

No sábado de manhã fizemos a caminhada mais longa de todas, um treinamento que requeria a atenção constante do dono do cão. Estávamos andando naquele tipo de estrada onde não há calçadas, apenas grama. Nesses casos temos que andar no canto da rua, seguindo a linha de grama. Temos que sempre parar e termos certeza que o cão está perto dessa linha de grama, e não no meio da rua. No final foi uma caminhada agradável, porque o Timmy dominava bem a coisa, mas eu reforcei do mesmo jeito os procedimentos, para ter certeza que ele estava fazendo a coisa certa.

No domingo, finalmente, pude dormir bastante e ter um tempo de folga, que brinquei com o Timmy e fiquei na internet. Esse cachorro adora dormir, e sempre tenho dificuldades em acordá-lo, preciso chamá-lo várias vezes. Acho que ouvi em algum lugar que os cães são parecidos com os donos….

[A Saga do Cão Guia] – Capítulo 5

•13 de março de 2011 • 3 Comentários

Finalmente havia chegado o final de semana, o qual eu pensei erroniamente que poderia dormir um monte e aproveitar para ficar na internet, brincar com o Timmy, comer uns quitutes e dormir um monte. Oh, doce ilusão.

No sábado o cronograma foi o mesmo de quinta e sexta, tirando o fato que introdusimos algumas coisas novas na rotina, tal como escovar e pentear os cães todos os dias para mantê-los no seu melhor estado de higiene, alguns exercícios para focar a atenção deles em targets (alvos) específicos, tal como a porta do nosso quarto aqui na escola.

Enquanto eu esperava lá em White Plains pela minha vez de sair andar com o timmy, eu fiz um vídeo onde na parte que eu não estou filmando é possível ver ele melhor, e quando eu pego a câmera a entropia do sistema começa a aumentar a níveis impressionantes. O vídeo está
Aqui .

Como um dos meus amigos bem lembrou, eu não expliquei direito o que estava acontecendo no vídeo. Então para meus amigos cegos, o que basicamente ocorre é o Timmy no começo do vídeo, depois eu vou conversar um pouco com um colega de turma. Mostro (ou pelo menos tento), mostrar o cachorro dele, e depois ele pega o iPhone dele e usa um app que diz quão feia uma pessoa é, mas tiramos foto dos cachorros. Ele tira a foto do Timmy e dá 9.6, e eu começo a comemorar, porque pensei que era o contrário, quanto menor sua nota, mais feio você era. Daí ele me fala que 9.6 é o mais perto de 10, ou seja, o mais feio de todos, e daí eu retruco que ele tirou a foto do próprio cachorro ou até mesmo do chão 😛 – só umas coisas aleatórias mesmo.

No domingo consegui brincar com o Timmy. Fomos em uma sala fechada, e coloquei uma coleira nele, que era beeem longa. Ele conseguia alcançar todos os cantos da sala. O propósito dela era caso eu chamasse ele, e ele não viesse, eu teria como encontrá-lo através dela, o que não aconteceu, ele veio todas as vezes que chamei.

Eu jogava as bolinhas e brinquedos para ele por toda a sala, e ele saia correndo pegá-las. Infelizmente, ele só me trouxe duas vezes as bolinhas de volta, normalmente ele pegava o brinquedo, corria com ele, e quando eu chamava ele de volta, ele largava o brinquedo e vinha.

Não reclamo. Não estava exigindo nada dele naquela hora, porque era tempo dele se divertir bastante. Mas teria sido mais legal se ele trouxesse as bolinhas, mas acredito que com o tempo ele vai descobrir que eu gosto que ele faça isso, e vai começar. Afinal, toda vez que ele trazia a bolinha de volta eu dava comida, e como ele é mais do que esperto, vai começar a sacar.

O que foi super legal nesse tempo que tivemos juntos foi que ele teve tempo para ser um cachorro normal. Os cães guia tem muitos dos comportamentos caninos reprimidos, afim de que mantenham a atenção no trabalho. Por exemplo, na rua um cheiro interessante é uma coisa muito atrativa para um cachorro, ou ir atrás de um passarinho. E o que eu quero dizer com reprimir um instinto é que ele precisa achar mais importante te desviar da placa ou te levar até o meio-fio ao invés de correr atrás dessas coisas.

Para aqueles que tem cachorro, vocês sabem como é a sensação de quando eles estão brincando e você chama o nome deles, e eles vem correndo. Acredito que ele já gosta bastante de mim, porque eu batia palmas e chamava o nome dele, e ele largava tudo que estava fazendo (até mesmo as bolinhas), para vir correndo e sentar ao meu lado todo ofegante.

Como vocês podem ver no vídeo, todos os comandos que dei para ele, no caso pedir para sentar, tive que falar de duas a 3 vezes. É como eu falei, como ele está sem a harness, ele se distrai muito fácil, querendo cheirar outros cachorros, afinal, existem mais 11 como ele por lá, mas uma vez que insisto, ele obedece sempre.

No mais, continuamos nos acertando. Uma coisa engraçada dessa noite, eu sonhei que havia conhecido a família que ficou com o Timmy por um ano e meio, quando ele era um filhote. Eles eram uma espécie de máfia italiana, e o chefão tinha um filho que enxergava mas queria um cão guia do mesmo jeito, mas o tal cão precisaria ser treinado na itália porque ordens de verdade são dadas em italiano, segundo o pessoal do meu sonho. Pois é, to com uma imaginação fértil.

Vamos ver como vai ser a segunda semana. Espero não ter problema para dormir, por causa do horário de verão que entrou em vigor por aqui. Agora a diferença do Brasil para cá é apenas de uma hora para mais. E como meu horário de sono é todo zoado, me tomando um certo tempo para me acostumar, eu fico um pouco receoso com essa possibilidade, mas nada que umas sonecas em White Plains no meu tempo de espera não resolva.

[A Saga do Cão Guia] – Capítulo 4

•12 de março de 2011 • 5 Comentários

Ok, pessoal. Não vou conseguir mais postar todo dia contando sobre o meu dia, então vou começar a meio que resumir as coisas mais importantes que ocorreram nos últimos. Está realmente ficando apertado o tempo por aqui, e as pausas que temos estão sendo cada vez menores.

Estamos seguindo normalmente a mesma rotina que vocês já conhecem. Acordar as 6 da manhã, dar água, comida e levar o cachorro ao banheiro, a sessão de obediência com os comandos básicos, depois tomar um café (adoro essa parte).

Depois disso, normalmente vamos para White Plains, uma cidade a uns 20 a 30 minutos de Yorktown Heights. Vamos lá, onde eles tem uma casa grande de madeira, e ficamos por lá enquanto não vem nossa vez de ir para a rua. Essa casa também é bem bacana, e tem várias coisas. Eu gosto bastante de ficar no andar superior em uns sofás bem confortáveis conversando com um pessoal.

Quinta-feira foi o primeiro dia que eu andei com o Timmy na rua, e de uma coisa eu tenho certeza: Nunca mais vou querer a bengala. Logicamente, haverão situações onde deverei usar a bengala e não o cão, mas no dia a dia, sem chance; Andar com um cão guia é uma coisa impressionante.

O movimento flui, é o que eu posso dizer. Você sente uma segurança e é como se você não fosse mais cego. Você simplesmente vai andando e acompanhando o passo dele, desviando das coisas junto dele e dando os comandos apropriados. Com certeza, você tem que saber o caminho onde você quer ir; o cachorro não vai te levar para a sua casa se você falar ‘to the house’, isso não. Ele obedece comandos tal como virar para a esquerda, direita, até a porta, até a escada, até o meio-fio, em frente, mais rápido, etc. O que não é tão difícil, o que quero dizer é, eu sei o caminho que eu tenho que pegar para ir a padaria, a faculdade, ao shopping, o que eu preciso fazer é só pedir para meu cachorro me levar lá, dando uma série de comandos, fazendo que andemos três quadras, depois viramos, continuamos, por exemplo.

A cada volta que damos, sinto que estamos melhorando. O que pode causar alguma confusão? O que tem para ser melhorado? É meio difícil eu explicar para vocês, acredito. O instrutor sempre acompanha a gente, e faz correções do tipo nosso alinhamento com o do cão, distância que estamos caminhando dele, como reagimos em relação as curvas que ele faz. As vezes você não sente que o cão está virando para a direita, ou seja, indo na sua frente, visto que ele fica normalmente na sua esquerda, você acaba tropessando de leve nas patas dianteiras dele até que você percebe que ele está virando e vira também. Como eles dizem normalmente por aqui ‘Você precisa ler a linguagem corporal do cachorro’, e é isso mesmo. A dupla precisa conseguir entrar em sintonia, as horas que ele começa a andar mais rápido, mais devagar, quer puxar você para algum lado para desviar de alguma coisa, etc e etc.

Quando vamos para White Plains, almoçamos por lá mesmo, e voltamos quase no final da tarde, em tempo de levá-los ao banheiro mais uma vez. Depois disso já vem a janta e uma aula, que normalmente dura de uma hora a uma hora e meia, ensinando coisas sobre o nosso treinamento, e tudo mais.

Tem sido difícil. Requer paciência, dedicação, disciplina, e algo que não podemos controlar, o tempo. Tempo até que a dupla entre cada vez mais em sintonia e o cão passe e entender exatamente o que você quer dele, quando você pede. Eles sabem fazer o que eles foram ensinados a fazer muito bem, o que é preciso é corrigir os maus hábitos, melhorar o que eles já sabem, ou seja, incentivar os melhores acertos deles quando damos um comando, o que fazemos normalmente com comida, uma espécie de gratificação.

Quando o Timmy está trabalhando, ou seja, me guiando, eu consigo ver que estamos progredindo muito. Já quando ele só está com a leash (correira, trela), ele se destrai muito fácil quando vê outros cachorros, sente um cheiro novo, o que requer a necessidade de ser bem insistente com ele e melhorar sua atenção, o que resolvemos com as sessões de obediência todos os dias de manhã.

Antes de dormir levamos eles no banheiro às 7 e meia e às nove e meia novamente. Precisamos conhecer os horários do nossos cães, em que horas eles preferem ir ao banheiro, o que eles fazem em cada vez, número 1 ou 2, a fim de ser possível no futuro ajustar os horários do cão para coincidir com nossos horários.
A sexta-feira não foi muito diferente da quinta. Fizemos a mesma rota perto do outro centro de treinamento em White Plains, cada dia corrigindo e melhorando nosso envolvimento com o cão.

Espero melhorar cada vez mais, e estou confiante que isso será possível. Trabalho duro e confiança, é o que vai nos ajudar nessa tarefa. Valeu por tudo até agora, Timmy!!! Eu já gosto muito de você!!!

[A Saga do Cão Guia] – Capítulo 3

•11 de março de 2011 • 5 Comentários

Provavelmente a quarta-feira era o dia mais esperado da semana. Afinal, seria o dia que conheceríamos nossos cães guia pela primeira vez, um dia que todos estavam esperando por meses, ou até mesmo anos, como no meu caso.

Às 6 da manhã todos já estavam em pé para treinar as sessões de obediência. Tais sessões foram como uma revisão dos comandos que eles sabem. Fazemos isso afim deles sempre continuarem fazendo a coisa certa, e caso aja algum erro, corrigi-lo o mais rápido possível. Terça e quarta, como não tínhamos o cachorro, os instrutores só nos mostraram como isso deveria ser feito quando os tivéssemos.

Depois disso, tivemos um tempo para nos arrumar, fazer algumas coisas no quarto, e já veio o café da manhã, que cada dia eu gosto mais. Ontem tivemos umas vinas (salsichas no dialeto dos caipiras), com french toast, que é uma espécie de…. Pão doce – não sei algo melhor para descrever isso aí.

Durante a manhã toda tivemos algumas aulas de como cuidar do cachorro. Dentre as várias coisas que foram citadas que não acho que seja necessário escrever aqui para não deixar o texto gigante, trouxeram alguns cachorros que já se aposentaram como cães guia para treinarmos como colocá-los em baixo de cadeiras para que fiquem seguros, onde deixá-los quando estamos na mesa de jantar para que não se machuquem, como colocar o equipamento corretamente, algumas questões teóricas sobre o comportamento inicial deles, como fazer que eles se apeguem a nós. Enfim, é muita coisa.

O nosso almoço, como disseram, foi o último almoço em paz que teríamos, e só depois eu fui descobrir por que. Acho que foi o almoço mais rápido que tivemos, pois todos queriam ir para a sala de aula onde saberíamos o nome, raça, cor e sexo dos nossos cachorros.

Todos reunidos nessa tal sala, tivemos um jogo bem legal. Eles passavam algumas pistas para que você descobrisse o nome do seu cachorro.
– “Já assistiu Lessy, Lucas?” – “É o nome do dono da Lessy, o menininho”.
E eu não sabia!!!! Eu assisti esse filme há tanto tempo, e nem sei se foi inteiro, que não tinha a mínima ideia. A minha sorte que um colega de turma sabia e me contou.

Consegui adivinhar o nome de outros cachorros, o que era bem legal, mas normalmente era difícil porque envolvia completar um verso de um poema famoso em inglês, misturar palavras, essas coisas.

Tivemos mais algumas instruções de como cuidar do cachorro, visto que eles levariam cada cachorro no quarto de cada dono, para que passassem a tarde se acostumando um com o outro.

No momento que bateram a minha porta, depois de tê-la abrido rapidamente, fui apresentado ao meu mais novo amigo. Um amigo que espero ficar por muitos e muitos anos. Então sem mais demoras, apresento-lhes Timmy!!!

Ele é um labrador, acredito que seja de porte médio. Ele é amarelo, e o pelo dele eu achei muito macio. Postei algumas fotos dele no meu twitpic, então para quem quiser ver Elas Estão Aqui.

Logo que ele entrou no quarto, ele pulou sobre mim, me cheirou, me lambeu e foi explorar o resto do quarto. Por um segundo eu imaginei que as coisas seriam um pouco diferente do que os instrutores disseram que seriam, mas foi só a treinadora dele ir embora que tudo começou.

Os cães não estão acostumados com seus novos donos. Eles tem uma rotina bem definida há mais de 6 meses, que é viver no canil, correr e brincar de manhã, treinar com os treinadores deles nas ruas, shoppings e tudo que é tipo de lugar. Uma vez que essa rotina deles muda totalmente, eles demoram um pouco para se acostumarem, mas depois de um tempo eles chegam lá. Acho que por meia hora, depois de ter cheirado o meu quarto inteiro, ele só queria ficar sentado na frente da porta, olhando para ela. Logicamente, ele não queria ficar ali; Ele queria voltar junto da treinadora dele, que provavelmente estava algumas salas ao lado. A coisa começou a piorar quando os cães dos outros alunos começaram a chorar, e o Timmy chorou também, pra minha felicidade, bem mais baixo que os outros.

Sim, o começo é o mais difícil. As pessoas talvez achem que como nós estamos querendo tanto esse cachorro, chegaremos aqui de braços abertos e eles vão pular em nossos braços e serem melhores amigos já de cara. Infelizmente não funciona assim.

Como se resolve isso? Era o que todos queriam saber, e que foi explicado. Como falei, quebramos a rotina que eles tinham. Eles não sabem direito o que está acontecendo, e até se acostumarem será assim mesmo. Como agora somos responsáveis por alimentá-los, cuidar deles, praticar as sessões de obediência, com o tempo eles vão se apegando a nós.

Depois eu e Timmy brincamos um pouco no quarto, eu o alimentei. Quando vamos alimentá-los, deixamos eles presos ao lado da cama, em uma espécie de coleira, perto da gaiola que eles estão acostumados a dormir nos canis. Quando percebi, ele já estava deitado em cima da minha cama. Dei alguns comandos bruscos para que ele saísse, e ele atendeu prontamente. Os treinadores falaram que isso aconteceria algumas vezes, porque eles estão testando os limites deles. Eles já foram ensinados que não podem fazer isso, mas certos hábitos sempre vão permanecer, mas podem ser controlados. Ontem ele pulou pelo menos 3 vezes em cima da minha cama, mas hoje, quinta-feira, quando estou terminando de terminar o texto de ontem (hahaha, não tive tempo mesmo), ele não subiu nenhuma vez.

Depois disso, levamos os cães ao banheiro, o que chamamos de parktime. Basicamente ficamos em um lugar aberto, seguindo uma série de procedimentos para que eles saibam que é a hora certa de fazerem suas necessidades.
E então, finalmente, tivemos o jantar, aonde eu vim a descobrir porque aquele havia sido o último almoço em paz que eu tive. Às vezes é um pouco complicado no começo colocar os cães na posição correta que eles devem ficar à mesa para que não se machuquem caso alguém arraste uma cadeira, pise neles, etc. O problema é que isso não basta. Eles tendem a se mover, e você tem que fazer as correções necessárias, o que no começo é toda hora.

À noite, mais aulas com termos técnicos de como cuidar dos cães, como proceder nas rotinas, que é algo que acho que vou começar a excluir dos textos porque não me sinto capaz de explicá-los corretamente. Algumas coisas são incompletas, justamente pelo fato que estamos aprendendo e são complementadas depois.

Antes de dormir fizemos um último parktime, que demorou uns 10 minutos. O problema disso que foi lá fora, onde a temperatura era por volta de 39 Fahrenheit, ou seja, frio pra caralho.

Essa é uma coisa que acho estranho demais nos americanos. Eles usam poucas medidas baseadas no sistema decimal, o que não é intuitivo. Por exemplo, essa merda de Fahrenheit, já me pregou uma peça. No segundo dia estavam 30 Farenheit, o que corresponde a -1,11 C. Quando ouvi 30 fahrenheit, eu não pensei que era Celsius, mas também não dei bola que era fahrenheit… Pensei que seria um pouco mais quente. Ignorância total. Fui só com uma calça, e morri de frio.
Veja só, 39 fahrenheit, você pensa que as coisas vão melhorar bastante, não é? Que nada, isso corresponde a 3.88 C, o que ainda não faz o menor sentido. Sem falar nas milhas por hora, libras, pés de altura, porra!!!!! Pelo menos para adoçar o café eles usam a medida em colheres, como nós.

Eles são o único país do mundo que usam tais medidas, então eu tenho todo o direito de reclamar.

Estou muito feliz com ele. O Timmy parece ser um cachorro bem animado e amável, e pouco a pouco estamos nos conhecendo, acho que em uma semana já seremos grandes amigos, quando ele se acostumar comigo.

[A Saga do Cão Guia] – Capítulo 2

•8 de março de 2011 • 5 Comentários

No primeiro dia, em um anúncio que fizeram por meio das caixas de som que temos no quarto, eu tomei um susto que todos gostariam de ver, mas minha sorte é que não era uma pegadinha do malandro filmando a situação. Coloquei meu despertador para me acordar 2 minutos antes das 6 horas, então eu já estava acordado quando aquela voz do além veio nos acordar. A voz até que é gentil, mas é que leva um tempo pra se acostumar com esse tipo de coisa.

Nossa rotina, como o pessoal vem nos explicando, sempre seguirá um mesmo padrão. A cada dia que passa, os intervalos que temos são preenchidos com as coisas que teremos que fazer nesses horários. Às 6 horas, acordamos e logo fizemos uma sessão de obediência – nos ensinaram alguns comandos para usarmos com os cães, principalmente como usar nossa linguagem corporal com eles, movimentos com a coleira, etc. Apenas fizemos os movimentos com a coleira (sem os cães), e nos preparamos para o café, que foi perto das 7.

Falando sobre comida, eu realmente pensei que quando eu chegasse aqui as coisas seriam um pouco mais calóricas. Você sabe como é; Todo aquele papo que os Estados Unidos comem fast food / comidas gordurosas o tempo todo, talvez seja a mesma coisa que a gente faz com os Baianos falando que eles só ficam na rede durante o dia. Só para sacanear mesmo. Não reclamo de nenhum modo do que estão servindo aqui. todas as comidas são bem preparadas e gostosas, mas confesso que eu gostaria de comer umas batatas fritas, bacon e hamburgeres – mas eu só tinha conhecido o almoço e a janta. O Café era mais ou menos o que eu esperava.

Falando mais especificamente do café da manhã, ele era bem o que eu esperava, tivemos ovos mechidos, torradas e bacon. O devido café dos campeões. Bacon = campeão.

Depois do café, fomos direto para um centro de treinamento da escola. É uma casa grande de madeira, localizada em uma cidade bem perto daqui. O cronograma do dia seria andar cada pessoa junto do estrutor segurando uma coleira simulando o cão guia, para analisar aspectos como velocidade, atenção para ver se o cão estava fazendo tudo corretamente e mantendo a rota, sua força na hora de dar as correções de coleira no cão e conseguir puxá-lo, caso preciso, entre outros. Além desses fatores, eles também tomam em consideração o ambiente em que você vive e, claro, suas preferências em relação a raça, cor e sexo. Falei que eu preferia um macho, mas que a cor não importava e nem a raça. Tanto labrador quanto golden retrieever estaria bom.

Eles levavam dois estudantes por vez, então os outros tinham tempo para ficar na casa conversando, usando celulares, notebooks ou só tomando café da máquina tal como eu fiz. Alô pai, eu gostaria uma máquina igual para ter no meu quarto de aniversário, obrigado. Continuando, almoçamos por lá mesmo, pois nem todos haviam ido ainda fazer as caminhadas com os instrutores.

A questão do idioma tem sido algo muito engraçado. No momento que eu estou escrevendo esse texto, as vezes quero terminar uma frase e penso nas palavras em inglês, em português, ta virando uma confusão!!! – (e meu pai ainda pediu para eu continuar estudando alemão no meu horário vago, hahaha, seria loucura!!!) – Até consegui traduzir uma piada do português para o pessoal e eles riram mesmo. Onde eu mais tenho problemas é com algumas conversas casuais que eles usam algumas expressões, e coisas relacionadas a comida. Hoje me apresentaram uns 4 tipos diferentes de queijo, e o único que eu consegui identificar foi o provolone, o jeito é experimentar cada um, e ver qual você gosta mais. O problema que nesse processo você pode se ferrar. Perguntaram se estaria tudo bem comer um tal de soft pepper no jantar, e eu disse que sim. O problema que era uma comida a base de pimentão, o qual é green pepper. Na minha ignorância com esse tipo de vocabulário pensei que seria algum tipo de pimenta que usamos para tempero, agora to aqui no quarto com o meu estômago revolto, toda vez que como pimentão me acontece isso. E Murphy dá o seu olá nas terras do tio Sam. O chato mesmo que isso só aconteceu pela minha ignorância mesmo. Eles já passaram pelo menos duas vezes por todos os estudantes perguntando se eles não comiam algum tipo de comida. Bom, eu só não gosto de polenta e pimentão, mas eu não tinha a mínima idéia de como dizer isso. E qual a chance de ter uma comida totalmente baseada em pimentão? Aí que entra o Murphy.

Hoje também conhecemos o resto da equipe que trabalha aqui. Enfermeiras estão sempre disponíveis para nos atender, caso precisemos, voluntários podem fazer compras para nós se precisarmos algo que não tem na escola. Cada dia que passa, me passa sempre a impressão que o sistema funciona muito bem aqui, eles realmente se preocupam com todos os detalhes.

Tivemos logo após disso uma aula sobre como será nossa rotina aqui com o cachorro, que receberemos amanhã a tarde. Não vou descrevê-la agora porque muitas coisas ainda precisam ser explicadas, principalmente as partes do dia reservadas para cuidar do cão, então deixo isso para outro dia, mas a aula foi um pouco demorada com vários detalhes sobre rotina, um pouco sobre como ajustar a a rotina do cão a sua, como funcionará amanhã, o que vamos treinar amanhã, como fazer isso e aquilo. Enfim, é muita coisa mesmo.

Por hoje é isso. Amanhã será o grande dia que conheceremos nossos futuros amigos, e acredito que todos estão bem animados.

[A Saga do Cão Guia] – Capítulo 1

•7 de março de 2011 • 7 Comentários

Embarquei ontem, dia 6 de março de 2011, no avião que me levaria até os Estados Unidos para, finalmente, eu ter o tão sonhado cão guia.

A parte que eu menos me preocupava era o avião. Os aeroportos são muito bem esquematizados e tratam com facilidade as pessoas com algum tipo de deficiência. Sempre há um funcionário para te levar para cá e para lá, o que ajuda muito no meio de todo aquele caos.

Saí de Curitiba, fiz uma conexão em São Paulo, e voei durante 10 horas até chegar no aeroporto de New Arc. Acho que foram as 10 horas mais demoradas da minha vida. A poltrona que eu estava era pior que aquelas de ônibus convencionais que pegamos por aí para viajar; Pelo menos as de ônibus deitam um pouco mais que aquela. Logo na chegada, um monte de gente da imigração e atendentes do avião falando inglês, você é bombardeado com um idioma que você não está tão acostumado assim e tem que se virar. A primeira pergunta que me fizeram eu logo pensei ‘To começando mal pra caramba. Olha o absurdo que eu entendi!!!! – A mulher estava perguntando se eu preferia andar ou ir na cadeira de rodas. Eu pedi pra ela repetir e uma aeromoça repetiu para mim em português. E o pior: eu tinha entendido corretamente, estavam me perguntando realmente isso. E claro, fui andando.

Passei pela imigração, peguei minha mala (a qual demorou um pouco para ser achada), e encontrei o motorista que me levaria até a escola. Mais uma hora e meia de carro, dessa vez em um assento realmente bom onde fui dormindo, e chego na escola. Deveria estar zero graus no lado de fora, mas uma vez dentro das portas, removi todas as minhas jaquetas porque estava bem aquecido o ambiente.

Depois de terem mostrado cada coisa do meu quarto – e que quarto, diga-se de passagem. Tenho tudo que preciso e mais um pouco aqui para ter uma estadia confortável pelos próximos 25 dias. Frigobar (prevejo um estoque de coca-cola), uma cama de casal, acesso a internet para o meu notebook, banheiro, tv, som, ar condicionado, banheira, e até um botão de emergência caso eu tenha que pedir ajuda. Tipo um ‘mamãe vem aqui rápido que to morrendo.’.

Depois de eu tirar um breve cochilo, entrei um pouco na internet para atualizar os amigos de que eu ainda estava vivo para a infelicidade de alguns, e felicidade de outros. Não tive muito tempo para isso e já tivemos o almoço.

As refeições aqui são bem interessantes. Todos nos reunimos em mesas na sala de jantar, e o clima é bem descontraído e agradável. Como aqui é os EUA, eu estava esperando para comer um baaaaaaaacon, mas não foi a vez dele ainda 😛

Durante a tarde, me mostraram toda a construção. A estrutura deles aqui é muito boa. São 18 quartos que acomodam os estudantes e os instrutores, sala de jantar, pelo menos umas 4 salas de estar, cada uma com algo diferente, tipo sala de tv, sala de música, sala de jogos, desse tipo. Também existe uma sala onde temos máquinas de café e refrigerante, sala de exercícios com esteiras, bicicletas e máquinas de levantar peso que deve ter um nome (que eu não sei), uma sala de aula, lavanderia, sala de informática com vários computadores rodando jaws/window-eyes/nvda com algumas linhas braille, e provavelmente outras coisas que eu esqueci, é realmente muita coisa. Mas fica mais do que claro que qualquer pessoa que venha para cá, se sentirá muito a vontade e confortável.

Um fato a tarde me surpreendeu. A janta será sempre as 5 da tarde!!! Segundo um amigo meu ta com cara de hospital isso aqui, hahahaha. Voluntários estarão disponíveis amanhã para fazerem compras para nós, e com certeza vou pedir algumas coisas para deixar no meu quarto. Provavelmente eu vou ter fome a noite.

Iremos conhecer nossos cães na quarta-feira. Eu não sei o nome dele ainda, raça, cor, sexo, nada; Amanhã faremos uma espécie de teste para ver qual cão se adaptaria melhor a nós, e os instrutores vão debater sobre para chegar a melhor decisão.

Em relação ao inglês, acredito que tenho me saído muito bem. O que importa de verdade, as aulas/palestras, tenho entendido sem problemas, mesmo com vários termos técnicos e outros mais sendo apresentados. Mas já conversas casuais, por exemplo no jantar ou almoço, eu boio muito. O pessoal começa a falar muitas expressões e também rápido feito uma metralhadora, daí fica difícil. Mas acredito que pouco a pouco eu supero isso.

Minha primeira impressão da guiding Eyes foi totalmente positiva. O lugar é muito bem preparado para receber pessoas com deficiência visual, e as pessoas que trabalham aqui são todas profissionais no que fazem, e melhor ainda, gostam muito do que estão fazendo. As instrutoras da nossa turma são muito divertidas e sempre estão conversando com a gente.

A noite, Após uma aula que tivemos sobre os equipamentos básicos que usaremos com o cachorro, coleiras entre outros, vim para meu quarto tomar um banho e escrever esse texto e ficar um pouco na internet. O primeiro dia foi bem cansativo porque só consegui dormir de manhã um pouco, e a viagem tinha sido longa. Mas amanhã é outro dia, e estou bem animado esperando por ele.

[A Saga do Cão Guia] – Prelúdio

•18 de fevereiro de 2011 • 10 Comentários

Logo que sentei no avião, dia 16 de fevereiro de 2011, eu fiz uma revisão rápida do que havia acontecido até aquele momento. Como alguém que apenas liga fatos que tenham importância, eu de um segundo a outro revivia ocasiões e minhas escolhas que foram me levando até o presente momento.

E então, eu nasci cego de um olho e perdi a visão do outro aos 4 anos. Culpar quem? A genética está aí pra isso, perpetuar a espécie e criar diferenças sobre os indivíduos de um grupo. Não que a gente sempre aceite bem o último ás de paus que faltou para fechar um royal straight flush que destruiria a mesa inteira. Acabamos por priorizar muito as aleatoriedades que nos levam a grandes sucessos e às vezes remoer demais as que nos levam a grandes derrotas ou destinos que não eram esperados por nós, isso é da natureza humana. Ser cego eu não considero uma derrota, mas claro que eu não gostaria de ser assim e sempre passo por meus altos e baixos, enquanto lido com esse problema, e o encaro de maneiras diferentes. E os crossing overs através do tempo que me levaram a possuir esse problema genético (não confirmado ainda, mas a única explicação), foram uma sequência de eventos que não me levaram ao royal straight flush que eu gostaria de ter tido.

Eu cresci. Uma infância normal com algumas diferenças. Não vamos nos demorar nessa parte, até porque não é o assunto principal. Vamos diretamente para a parte que eu tinha que me locomover, interagir socialmente com as pessoas, visitar lugares. E como eu faria isso sozinho? Com o uso da bengala, é claro.

Ah, bengala. Eu reconheço sua importância, mas não nos acertamos de jeito nenhum. Reconhecidamente você não me protegia de todo, não me proporcionava a velocidade que eu queria. Era prática para ser posta em uma bolsa, e não exigia cuidados muito dispendiosos, mas ainda assim, não era o que eu buscava.

A primeira vez que ouvi falar de um cão guia não compreendi suas capacidades. Com o tempo, acabei lendo mais sobre o assunto, e queria ter uma chance de um dia, ter essa facilidade.

Desde meus 16 anos, corri atrás do que era possível. Todos os lugares na época, exigiam que eu fosse maior de idade. Esperei. E enquanto esperava, continuei estudando inglês, porque todos me diziam que no Brasil seria muito difícil de conseguir.

Quando fiz 18 anos, mandei minha aplicação para muitas escolas. Brasileiras e estrangeiras, esperando uma resposta positiva. Das brasileiras, nunca fui contatado, e nem mesmo sei se alguma hoje em dia está em funcionamento. Sempre me perguntam ‘Como conseguir um cão guia no Brasil, Lucas?’ – e pra falar a verdade eu não faço a mínima idéia. Falta verba no nosso país, falta apoio. Na época, uma escola estrangeira me contatou: Para dizer que não aceitavam mais brasileiros. com a crise americana, as verbas que recebiam na época foram diminuídas,, e os serviços deles não poderiam ser estendidos para outros países como faziam antes. Pelo fato do cão guia ser oferecido gratuitamente ao deficiente visual, o seu custo é muito elevado, envolvendo treinamento, acomodação durante o tempo de treino do usuário e o cão, etc.

Esperei um ano. Em um dia de inspiração, pensei: ‘Por que não procurar uma escola de cães guia no google?’ -E encontrei outra escola americana. Esta também aceitava brasileiros. Logo fiz minha aplicação, e aguardei ansiosamente.

Dois meses depois, o processo iniciou. Outra espera de oito meses foi iniciada, a qual terminou quando um representante da escola viajou até o brasil para ver minhas capacidades, necessidades e avaliar qual seria o melhor cão para mim, e se eu estava apto a receber um. E eu estava; eu fui aprovado!

O próximo passo seria tirar o visto americano. E era o que eu estava indo fazer, quando sentei naquele avião no dia 16 de fevereiro de 2011. Sem sombra de dúvidas, eu estava um pouco nervoso; Todos que me contavam histórias de como foi tirar seu próprio visto sempre tinha alguma coisa pra atrapalhar – uma fila enorme, perguntas às vezes sem sentido, entre outros.

No momento que cheguei, enfrentei a fila preferencial que não tinha ninguém. Peguei uma senha preferencial e fiz a pré-entrevista, que ocorreu tudo bem. Esperei mais um pouco, minhas digitais foram tomadas, e fui conduzido até o guichê onde eu seria entrevistado.

O português do funcionário que me atendeu não estava muito claro. Me parecia que ele estava sem confiança para falar no nosso idioma, visto que era americano. Ele falava muito baixo, como se não estivesse muito seguro do que estivesse fazendo, o que é normal quando não conhecemos um idioma muito bem.

Ele me deu uma instrução uma, duas, três vezes e eu não entendi o que ele quis dizer. Fiquei um pouco nervoso na hora – ‘nem consigo entender o cara, e agora?’ -Mas minha sorte foi que meu amigo que me acompanhava foi mais cabeça fria e por estar acostumado a falar inglês por morar na Holanda, perguntou se o cara gostaria de falar inglês. Uma idéia simples que não me ocorreu na hora, mas que mudou todo o cenário.

Uma transformação ocorreu. Ele falou muito tranquilamente, explicou que deveríamos ir até o guichê ao lado, pois o colega dele era responsável pelos atendimentos especiais, introduzindo a senha no sistema. Fui ao lado, e por reflexo cumprimentamos o atendente em inglês mesmo.

A entrevista ocorreu tudo bem, informei o que eu iria fazer, quando ia e quando voltava. Tive meu inglês elogiado e me desejaram boa sorte, e tive meu visto aprovado.

Foi mais uma etapa cumprida na saga do cão guia. Agora já estou em Curitiba, terminando de escrever esse texto e a coisa que eu mais penso no momento não é mais se vou conseguir ou não tirar o visto, e sim no dia de embarque para os EUA, quando finalmente, será dado o início dos treinos em New York, na Guiding Eyes for the Blind.

Resolvi escrever essa série de textos documentando minha viagem, o processo de treinamento por alguns motivos. Eu sempre quis ler uma experiência assim de outra pessoa, detalhe por detalhe. Alguns amigos já passaram por ela, mas o que me contaram foi algo um pouco vago. Acredito que outras pessoas também possuem essa curiosidade, e com essa minha nova série de textos, poderão saciá-la. O outro motivo é não precisar contar milhares de vezes a mesma história para amigos diferentes, escrevo aqui e pronto. Espero que gostem.

Talvez na vida eu não tirei o ás de paus que eu queria para fechar o royal straight flush. Mas mesmo o 2 de paus que me saiu no baralho, depois de uma olhada mais atenta, me garantiu um flush. E de flush em flush, de pouco a pouco, a gente vai superando, a gente vai lutando e batalhando, pra chegar um dia onde a gente quer; Atingir os nossos objetivos da vida, melhorando-a cada vez mais.